sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

'Muitos desses deuses vieram das estrelas': a fascinante história real dos anjos, da Virgem e de Jesus

Dr. Tony Nugent é um especialista em símbolos antigos e em religiões. Pastor presbiteriano, ele ensinou no Departamento de Teologia e Estudos Religiosos da Universidade de Seattle durante 15 anos. A entrevista abaixo foi concedida a Valerie Tarrico e publicada no Huffington Post em 25 de dezembro de 2008.
Muitos americanos já ouviram falar que em 25 de dezembro celebrava-se deuses romanos muito antes de ser escolhido para celebrar o nascimento de Jesus. Algumas pessoas também sabem que a nossa deliciosa mistura de festividades de Natal teve origem em antigas tradições nórdicas, romanas e druídicas. Mas de onde é que vem a história do Natal em si, com Jesus na manjedoura, anjos e reis magos?
Nugent: A conhecida história de Natal, incluindo a imaculada conceição e o nascimento de Jesus, é encontrada nos evangelhos de Mateus e Lucas. Os estudiosos têm apontado que essas histórias são um pouco desconectadas das outras partes desses Evangelhos e do resto do Novo Testamento. Na verdade, no momento em que ele é um garoto no templo, os pais de Jesus parecem ter esquecido o nascimento virginal. Eles ficam surpresos com seu comportamento estranho. Nunca há qualquer outra menção no Novo Testamento desses eventos incríveis! Essas histórias parecem ser uma reflexão tardia, escritas mais tarde do que o resto dos evangelhos que as contêm. Para tornar as coisas mais interessantes, as próprias histórias têm inconsistências e ambiguidades - genealogias contraditórias, por exemplo. Nossa história de Natal (singular) é na verdade um composto.
Ou considere a idéia de que Maria é virgem. O escritor grego de Mateus cita Isaías, dizendo, "Uma parthenos conceberá e dará à luz um filho". A palavra hebraica em Isaías é "almah", que significa simplesmente "mulher jovem". Mas a palavra grega 'parthenos' pode significar tanto 'virgem' como 'jovem mulher", e foi traduzida como 'virgem'. Traduções modernas da Bíblia corrigiram isso, mas é uma parte central da história de Natal.
Isso aumenta a complicação. Se o resto do Novo Testamento não se refere a essas histórias ou precisa delas, então onde elas nos levam? E de onde elas vêm?
Nugent: Uma parte da resposta vem da cultura helenística. (Não por acaso todos os livros do Novo Testamento foram escritos em grego.) Nessa tradição, quando um homem fazia algo extraordinário havia a suposição de que ele fazia isso porque era diferente, divino ou semi-divino. Eles então inventavam uma história sobre como ele veio a ser divino. Quase todos os heróis gregos nasceram de uma mulher humana e um deu, mesmo Alexandre o Grande, Augusto e Pitágoras.
O pai era tipicamente Zeus ou Apolo. O deus vinha e dormia com a mulher, fingindo ser o marido, ou como um raio, ou algo assim. A mitologia grega também aparece no livro do Gêneses: os deuses cobiçando as mulheres, descendo e acasalando com elas.
Por que eles foram adicionados à história cristã?
Nugent: Os cristãos judeus, os primeiros cristãos, não acreditavam no nascimento virginal. Eles acreditavam que José era o pai biológico de Jesus. Parte de sua cristologia era 'adocionista' - eles pensavam que Jesus foi adotado como o único filho de Deus em algum momento mais tarde na vida. Havia divergências sobre quando - Marcos sugere o batismo, Paulo sugere a ressurreição.
Ao longo do tempo, o cristianismo gentio substituiu o cristianismo judaico. Houve guerra entre as facções. Os cristãos judeus foram marginalizados e oprimidos. O ramo gentio tornou-se dominante. Finalmente temos o Evangelho de João, que empurra a filiação de Jesus de volta para o início dos tempos. Esse escritor está no outro extremo do espectro dos cristãos judeus.
Mas Mateus e Lucas acham que a filiação de Jesus começou no nascimento. E eles querem contar uma história que reforça esse ponto. Mateus e Lucas são a fonte da história de Natal, como a maioria de nós aprendeu.
Estabeleceu-se que a Bíblia é a palavra perfeita, literalmente "infalível", de Deus, essencialmente ditada por Deus para os escritores. O que você está dizendo sobre a história do Natal põe em questão esse ponto de vista.
Nugent: Qual Bíblia?! Existem milhares de variações dos manuscritos. A maioria das histórias bíblicas são, provavelmente, ficção. Elas são mitologia, no sentido mais profundo da palavra. Mas precisamos ir além da questão de saber se os relatos bíblicos aconteceram no, sentido físico-histórico, para entender o que eles querem dizer, espiritual e miticamente.
De volta ao Natal. Entre todas as imagens da história do Natal, aquela que as pessoas mais se apaixonam tem a ver com anjos. A história do Natal é cheia de anjos, seres de luz. Isso é por causa da tradição do solstício?
Nugent: Na verdade, isso vem da Bíblia hebraica, das escrituras judaicas que foram eventualmente adotadas na Bíblia cristã como o Antigo Testamento. Também vem da literatura judaica escrita entre o Antigo e o Novo Testamento que não entrou no cânon bíblico. Alguns deles são até mesmo citados no Novo Testamento, por exemplo, Enoque, que é do século 2 a.C. Tudo tem a ver com anjos.
O que são os anjos nessas histórias? Quem são eles?
Nugent: A Bíblia chama-os de filhos de Deus, o Conselho Divino. A palavra usada para Deus em partes da Bíblia hebraica, Elohim, é plural, implicando uma família de divindades. Os anjos são os deuses menores do panteão deposto do antigo Israel. Eles estão sob a regência de Yahweh. Juntamente com Yahweh eles são parte de Elohim, uma palavra no plural que é traduzido por "Deus" no livro de Gênesis. Elohim/Deus diz: "Façamos o homem à nossa imagem." Os cristãos entendem que isso se refere à Trindade, mas é uma interpretação posterior. Esses anjos vieram dos antigos panteões da Mesopotâmia e Egito. Muitos desses deuses vieram das estrelas. Há uma forte dimensão astral. As "Hostes Celestiais" são estrelas.
A história em Lucas está centrada em um anjo especificamente: Gabriel. Ele é o arcanjo?
Nugent: Gabriel é o anjo do Senhor. Ele é um dos dois anjos que são nomeados no cânon judeu e no cânon cristão, fora dos apócrifos: Gabriel e Miguel. Eles são os anjos de misericórdia e julgamento. Gabriel significa "a Fortaleza de El". Ele aparece pela primeira vez em Daniel.
Se você entrar em uma igreja Ortodoxa Oriental você tem dois ícones no norte e nosul. Miguel está no Norte para lutar com Satanás que vive lá. Gabriel está no sul. Ele é mais parecido com o que os anjos eram originalmente, ou seja, os mensageiros dos deuses. Isso é o que significa anjo. A ideia de que Deus tem um mensageiro especial é exatamente sobre o que nós lemos nas mitologias do Oriente Médio. Cada um dos deuses anteriores tem seu próprio mensageiro especial. Enki, que se torna Yaweh, tem Isimud. A deusa Inana tem Ninshubur. Cada deus superior tem um enviado ou assistente, que é um deus menor. O anjo do Senhor é a mesma coisa. A distinção entre anjos e deuses veio mais tarde.
Então Gabriel é um ser das estrelas? Ou um desses descendentes semi-divinos dos deuses e das mulheres.
Nugent: Ele é um dos deuses que desceram à Terra.
Por que você diz isso?
Nugent: Os filhos dos deuses que coabitavam com mulheres são chamados Gaborim - da mesma raiz de Gabriel. No segundo século, Gabriel aparece na Epistula Apostolorum. Ele fala sobre Jesus e esses ensinamentos secretos que ele deu aos seus apóstolos depois da ressurreição. Um dos segredos é que ele é, na verdade, Gabriel. Depois, Gabriel assumiu carne e uniu-se a Maria, então ele se torna Jesus. A ideia de que Cristo era um anjo era extremamente popular na igreja primitiva. Mais tarde, encontramos essa separação realmente rigorosa entre humanos e anjos; entre os deuses e anjos.
Temos tempo para apenas mais uma história favorita de Natal: A Estrela de Belém e os Reis Magos.
Nugent: Os Reis Magos são astrólogos. Eles são sacerdotes zoroastristas. Logo a leste do Império Romano estava o Império Persa, que era zoroastrista. Eles vêem essa estrela no nascente (as melhores traduções não falam 'no Oriente'). Os astrólogos prestamo muita atenção a isso. É provável que se refira a uma estrela nascendo próxima ao sol pela primeira vez sobre o horizonte no decurso de um ano. Eles pensaram que era um sinal do Messias judeu. Estudiosos especulam que eles teriam vivido na Babilônia, onde havia muitos mercadores judeus. Os judeus haviam estado lá desde a época do exílio dos judeus da Babilônia. Temos registros cuneiformes disso.
Você está assumindo que esse relato é histórico?
Nugent: Pense nisso como um sapo e a lagoa. A lagoa é real, o sapo não é. São histórias de ficção em um cenário real. Nem sempre os detalhes estão corretamente configurados, mas são personagens fictícios em lugares reais. Os Magos seguiram a estrela de Jerusalém a Belém. O autor tem em mente uma estrela real. Ela teria que estar no extremo sul do céu. Lembre-se que eu disse sobre o exército celestial ser estrelas? A estrela em Mateus e o anjo em Lucas são duas variantes da mesma mitologia.
Algo mais que você gostaria de dizer para encerrar?
Nugent: Nós precisamos ser capazes de apreciar essas histórias como mitos, ao invés de histórias literais. Quando você entender de onde vêm, então você pode compreender o seu significado espiritual para os escritores e para nós.

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