quinta-feira, 18 de abril de 2013


HOMILIA DO PAPA BENTO XVI
Basílica Vaticana
Domingo, 27 de Maio de 2012

Queridos irmãos e irmãs!
Sinto-me feliz por celebrar convosco esta Santa Missa, animada hoje também pelo Coro da Academia de Santa Cecília e pela Orquestra juvenil — à qual agradeço — na Solenidade de Pentecostes. Este mistério constitui o baptismo da Igreja, é um acontecimento que lhe conferiu, por assim dizer, a forma inicial e o estímulo para a sua missão. E esta «forma» e «estímulo» são sempre válidos, sempre actuais, e renovam-se de modo particular mediante as acções litúrgicas. Esta manhã gostaria de meditar sobre um aspecto essencial do mistério do Pentecostes, que nos nossos dias conserva toda a sua importância. O Pentecostes é a festa da união, da compreensão e da comunhão humana. Todos podemos constatar como no nosso mundo, mesmo se estamos cada vez mais próximos uns dos outros com o progresso dos meios de comunicação, e as distâncias geográficas parecem desaparecer, a compreensão e a comunhão entre as pessoas muitas vezes é superficial e difícil. Permanecem desequilíbrios que com frequência levam a conflitos; o diálogo entre as gerações torna-se difícil e por vezes prevalece a contraposição; assistimos a factos quotidianos nos quais nos parece que os homens estão a tornar-se mais agressivos e mais conflituosos; compreender-se parece demasiado comprometedor e prefere-se permanecer no próprio eu, nos próprios interesses. Nesta situação, podemos deveras encontrar e viver aquela unidade da qual temos necessidade?
A narração do Pentecostes nos Actos dos Apóstolos, que ouvimos na primeira leitura (cf. 2, 1-11), contém um panorama dos últimos grandes afrescos que encontramos no início do Antigo Testamento: a antiga história da construção da Torre de Babel. Mas o que é Babel? É a descrição de um reino no qual os homens concentraram tanto poder que pensaram que já não precisavam de fazer referência a um Deus distante e deste modo eram tão fortes que podiam construir sozinhos um caminho que leva ao céu para abrir as suas portas e pôr-se no lugar de Deus. Mas precisamente nesta situação verifica-se algo anómalo e singular. Enquanto os homens estavam a trabalhar juntos, construindo a torre, repentinamente deram-se conta de que estavam a construir um contra o outro. Enquanto tentavam ser como Deus, corriam o perigo de nem sequer ser mais homens, porque tinham perdido um elemento fundamental do ser pessoas humanas: a capacidade de se aproximarem, de se compreenderem e de trabalhar juntos.
Esta narração bíblica contém uma sua verdade perene; podemos vê-la ao longo da história, mas também no nosso mundo. Com o progresso da ciência e da técnica alcançamos o poder de dominar forças da natureza, de manipular os elementos, de fabricar seres vivos, chegando quase até ao próprio ser humano. Nesta situação, rezar a Deus parece algo superado, inútil, porque nós próprios podemos construir e realizar tudo o que queremos. Mas não nos apercebemos de que estamos a viver a mesma experiência de Babel. É verdade, multiplicámos as possibilidades de comunicar, de obter informações, de transmitir notícias, mas podemos dizer que aumentou a capacidade de nos compreendermos ou talvez, paradoxalmente, entendemo-nos cada vez menos? Entre os homens não parece porventura que se insinua um sentido de desconfiança, de suspeita, de receio recíproco, até nos tornarmos inclusive perigosos uns para os outros? Voltemos então à pergunta inicial: pode haver deveras unidade, concórdia? E como?
Encontramos a resposta na Sagrada Escritura: só pode haver unidade com o dom do Espírito de Deus, o qual nos dará um coração novo e uma língua nova, uma capacidade nova de comunicar. E foi isto que se verificou no Pentecostes. Naquela manhã, cinquenta dias depois da Páscoa, um vento impetuoso soprou sobre Jerusalém e a chama do Espírito Santo desceu sobre os discípulos reunidos, pousou sobre cada um e acendeu neles o fogo divino, um fogo de amor, capaz de transformar. O receio desapareceu, o coração sentiu uma nova força, as línguas soltaram-se e começaram a falar com franqueza, de modo que todos pudessem compreender o anúncio de Jesus Cristo morto e ressuscitado. No Pentecostes, onde havia divisão e indiferença, surgiram unidade e compreensão.
Mas olhemos para o Evangelho de hoje, no qual Jesus afirma: «Quando vier o Espírito da Verdade, Ele guiar-vos-á para a verdade total» (Jo 16, 13). Aqui Jesus, falando do Espírito Santo, explica-nos o que é a Igreja e como ela deva viver para ser ela mesma, para ser o lugar da unidade e da comunhão na Verdade: diz-nos que agir como cristãos significa não nos fecharmos no próprio «eu», mas orientarmo-nos para o todo: significa acolher em nós mesmos a Igreja inteira ou, ainda melhor, deixar que ela nos acolha interiormente. Então, quando eu falo, penso, ajo como cristão, não o faço fechando-me no meu eu, mas faço-o sempre no todo e a partir do todo: assim o Espírito Santo, Espírito de unidade e de verdade, pode continuar a ressoar nos nossos corações e nas mentes dos homens e estimulá-los a encontrar-se e a aceitar-se uns aos outros. O Espírito, precisamente pelo facto de que age desta forma, introduz-nos em toda a verdade, que é Jesus, guia-nos no seu aprofundamento e compreensão: não crescemos no conhecimento fechando-nos no nosso eu, mas unicamente tornando-nos capazes de ouvir e partilhar, só no «nós» da Igreja, com uma atitude de profunda humildade interior. E desta forma torna-se mais claro por que motivo Babel é Babel e o Pentecostes é o Pentecostes. Onde os homens pretendem tornar-se Deus, podem unicamente pôr-se uns contra os outros. Ao contrário, onde estão na verdade do Senhor, abrem-se à acção do seu Espírito que os ampara e une.
A contraposição entre Babel e o Pentecostes é repetida também na segunda leitura, onde o Apóstolo diz: «Caminhai segundo o Espírito e não sereis levados a satisfazer o desejo da carne» (Gl 5, 16). São Paulo explica-nos que a nossa vida pessoal está marcada por um conflito interior, por uma divisão, entre os impulsos que provêm da carne e os que derivam do Espírito; e nós não podemos segui-los todos. Com efeito, não podemos ser contemporaneamente egoístas e generosos, seguir a tendência de dominar os outros e sentir a alegria do serviço abnegado. Devemos escolher sempre que impulso seguir e só o podemos fazer de modo autêntico com a ajuda do Espírito de Cristo. São Paulo enumera — como ouvimos — as obras da carne, que são os pecados de egoísmo e de violência, como inimizade, discórdia, ciúmes, desentendimentos; são pensamentos e acções que não fazem viver de modo deveras humano e cristão, no amor. É uma orientação que leva a perder a própria vida. Ao contrário, o Espírito Santo guia-nos rumo às alturas de Deus, porque podemos viver já nesta terra o germe de vida divina que está em nós. Com efeito, são Paulo afirma: «O fruto do Espírito é amor, alegria e paz» (Gl 5, 22). E vemos que o Apóstolo usa o plural para descrever as obras da carne, que provocam a dispersão do ser humano, enquanto usa o singular para definir a acção do Espírito, fala de «fruto», precisamente como à dispersão de Babel se contrapõe a unidade do Pentecostes.
Queridos amigos, devemos viver segundo o Espírito de unidade e de verdade, e por isto temos que rezar a fim de que o Espírito nos ilumine e guie para vencermos o fascínio de seguir verdades nossas, e acolhermos a verdade de Cristo transmitida na Igreja. A narração do Pentecostes em Lucas diz-nos que Jesus antes de subir ao céu pediu aos Apóstolos que permanecessem juntos para se prepararem para receber o dom do Espírito Santo. E assim reuniram-se em oração com Maria no Cenáculo na expectativa do acontecimento prometido (cf. Act 1, 14). Recolhida com Maria, como no seu nascer, a Igreja reza também hoje: «Veni Sancte Spiritus! — Vem, Espírito Santo, enche os corações dos teus filhos e acende neles o fogo do teu amor!». Amém.


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